quarta-feira, 15 de outubro de 2014

António #3 (história de um precário)

António parece indiferente à chuva que alagou a baixa lisboeta. Como estava, ficou. Com água pelos joelhos, fixado nas gotas grossas, caídas, olhando o Teatro, alagado de lágrimas, as suas, imaginando, o momento, como a rara possibilidade de chorar livremente. 
António, o precário, vive a sua existência sem a dignidade do ritual. Não trabalha, os amigos não o visitam, (visitá-lo, onde?), na rua, ainda não temos o hábito de visitar os amigos na rua, é bom que comecemos a adquiri-lo, pensava, de futuro, posso ter a companhia de alguns, por aqui, ao vento, talvez lhes possa valer, já estou habituado a comer com os olhos, mas, sobretudo, domino a técnica da meditação, respiro, e ainda bem, é no movimento do ar, que vivifico. Estou vivo! 
A lama trouxe a António um peixe encarnado do rio, não sabe, se o peixe saiu do Tejo ou do Douro, na Avenida, também não importa, mas tê-lo por companhia, durante uma tarde, soube a prenuncio de mudança.
Da mudança, falaremos no #4.


Ana Paula Lemos 

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