terça-feira, 28 de outubro de 2014

No metro (com Victor Bento)

Victor Bento, antigo Presidente do Banco Novo, apanhou o metro na estação dos Anjos.  
Ao longo de 40 anos como utente do Metropolitano, cruzei o olhar com a timidez de várias figuras públicas, a maioria delas, actores de teatro, escritores, jornalistas ou comentadores televisivos. Confesso, que tê-lo feito com um ex-banqueiro, num país como Portugal, causou-me, uma grande perplexidade. 
Lembro-me de ter conversado com o João de Melo (escritor) entre o Rossio e a Alameda, de ter (ousado) abordar o professor Pais Mamede (comentador da TVI para assuntos económicos) na estação de Roma, de ter fixado os meus olhos na Lia Gama, e lembro-me ainda, vezes sem conta, de entrar no metro com o Carlos Vaz Marques, jornalista da TSF e moderador do programa Governo Sombra. 
Poderia dar-vos outros tantos exemplos mas, não querendo eu, incomodar com uma lista exaustiva de pessoas, igualmente interessantes, até porque, provavelmente, o seu interesse é, apenas, opinião minha, vou, então, fixar-me, no insólito, de ter cruzado o olhar com um ex-banqueiro dentro do metropolitano na estação dos Anjos. 
A primeira pergunta que me ocorreu, prendeu-se, com o facto, de Victor Bento ter entrado na estação dos Anjos. Esta zona de Lisboa, como sabem, não é o centro da alta finança da cidade, nem sugere pontos de interesse atractivos. Pelo contrário, o guia «turístico» do bairro é pobre, com destaque para a cantina social, conhecida como a sopa dos pobres, onde várias centenas de pessoas se alimentam diariamente; a casa das irmãs oblatas, as célebres freiras que dedicam a sua vida ao acolhimento de prostitutas, pastelarias degradadas, a Igreja dos Anjos, cujo altar é um dos mais bonitos de Lisboa mas, o pátio, repleto de prostitutas, toxicodependentes e sem-abrigo, não convida os católicos não praticantes a conhecê-lo, em suma, o bairro Anjos não é de facto um território atractivo para banqueiros, sobretudo, banqueiros de instituições «boas». 
O que terá levado, então, Victor Bento a apanhar o metro na estação dos Anjos às 12.34 de uma segunda-feira? Perguntava-me, insistentemente, não retirando, assim, o olhar daquele homem, cujo fato assentava largo nos ombros, o nó da gravata caía sob a maçã de adão, usava uns sapatos de design pobre, aparentava muito cansaço, alguma tensão muscular e, confesso, pouca familiaridade com este tipo de transporte. 
Lembrei-me, no momento, em que ambos saímos na estação Baixa-Chiado que, a sede do Banco de Portugal é, justamente, nos Anjos, e que também por ali, vi algumas vezes, antigos ministros das finanças, como Manuela Ferreira Leite e Miguel Beleza. 
Sossegada a imaginação, peguei no bloco de notas e comecei a pensar em Ricardo Salgado, naquela posição, dentro da carruagem do metropolitano, entre o Intendente e o Martim-Moniz, no meio de alguns dos seus clientes, em pé, com o ar severo, de banqueiro mau, cabelo elegantemente penteado, sapatos italianos, fato de cetim, olhar distante, como só os senhores donos de tudo sabem ter.  
Mas, ou porque o oficio da escrita, em mim, não está, ainda, suficientemente trabalhado; ou, porque, ao contrário do que dizem alguns eruditos, nem toda a vida cabe na literatura, o certo, é que, Ricardo Salgado, a minha personagem, não coube na página de um pequeno bloco de notas Moleskine. 

ana paula lemos 

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