quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Morais Soares

É uma rua estreita, por ser assim, estreita, não parece tão bela, mas talvez seja uma das mais belas ruas de Lisboa. Já foi uma artéria comercial famosa. A classe média dos anos oitenta gastava os poucos escudos que sobravam do excel familiar nos estabelecimentos comerciais da Morais Soares. Era chique frequentar o comércio desta artéria de Lisboa. Contam-nos que a Morais Soares era o único Centro Comercial de massas, a céu aberto, que existia em Lisboa. A Baixa Pombalina, essa, era frequentada pelos mais abastados.
Tudo se vendia na Morais Soares: jornais, livros, discos, electrodomésticos, roupas de vestir e de casa, produtos alimentares, carne, peixe, de entre muitos outros, tipicos das classes média e média - baixa.
Nos anos oitenta, o FMI resgatou a economia portuguesa do socialismo democrático, o qual, Mário Soares arrumou com orgulho na gaveta,  explicando aos portugueses que não se podia viver indefinidamente o processo revolucionário em curso. Por isso, as pessoas viviam, igualmente, uma situação económica dificil, apesar de nos quererem convencer que a crise de 2014 é infinitamente mais grave.
A crise até pode ser mais grave. Mas, nos anos oitenta, Portugal não tinha os fundos de coesão a inundar a economia pública e privada, nem as Misericórdias substituiam as familias e o Estado, aliás, o processo revolucionário em curso, destruíra-as, por estarem ligadas ao ópio do povo, entenda-se, à Igreja, e, em Portugal, também não existiam, ainda, as IPSSs que, como sabem, muito terão contribuído, em 2014, para aliviar a fome de mais de um milhão de portugueses. 
Naquela altura, nos anos oitenta, viviam na Morais Soares e na Penha de França, os funcionários públicos dos Ministérios das Finanças, Justiça e outros, que durante os anos cinquenta, sessenta e setenta, constituíam o tecido pequeno burguês da cidade. Haviam imigrado das Beiras, e no Estado providência, encontraram o sustento, para as parcas qualificações académicas oferecidas pela família rural de origem.
Estes funcionários públicos alimentavam a economia local.  Hoje, a maioria desta população tem mais de oitenta anos, ou já morreu, o que torna a Morais Soares uma rua cheia de velhos, pobres, ou fantasmas. 
O comércio desapareceu em pouco mais de uma década. A Morais Soares é, hoje, uma imensa esplanada, cheia de cafés sucessivos, competindo, com o preço mais baixo possível. A Padaria Portuguesa vende a bica a 0,39 cêntimos. 
Os bancos são, outro, dos grandes ocupantes da rua. De noite, não fosse o seu design de comunicação, e a Morais Soares virava a noite escura da cidade. 
A comunidade brasileira, paquistanesa, ucraniana ou indiana, não deixaram desaparecer a Morais Soares da toponimia lisboeta. Os pobres também não! As frutarias e as lojas são de chineses. Os paquistaneses abrem comércio com produtos a € 1. Desde pastas de dentes Colgate a Coca-Cola, passando por produtos de limpeza ou chocolates...tudo a um euro. Apenas a € 1. 
É isto que dá vida à rua. Vêm os portugueses de vários outros bairros de Lisboa procurar o comércio Low Cost. 
Um pouco mais acima, já na Penha de França, chegam os netos dos funcionários públicos para ocuparem as casas do Cofre, essa entidade corporativa da Administração Pública, que muito contribuiu para o povoamento de Lisboa. Os netos, esses, são artistas, profissionais liberiais, precários. São pobres!!! 
Vamos ver se os netos vencerão. Os seus avós, muitos deles tão pobres como os seus netos, quando tinham a mesma idade, conseguiram criar outro projecto de vida diferente do seu universo rural. Será a primeira vez na História de Lisboa que uma geração não consegue melhorar o padrão de vida herdado. Há sempre uma primeira vez. Mas, assim, não se faz a História. 

Ana Paula Lemos

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