segunda-feira, 29 de setembro de 2014

António ( história de um precário) #1

Conheci-o, hoje, segunda-feira, às 12.30 na Calçada da Glória, em Lisboa, junto aos Restauradores. Rondará os 55 anos, a idade deste homem, que quis fotografar mas o pudor não autorizou, embora saiba que quem me lê, reconhece na minha escrita, o realismo fantástico, não o género literário, mas, o método, através do qual, por ser real, construo a narrativa e assim, com ela, vivo a esperança. 
Chamo António, portanto, a este cidadão de Lisboa, de nacionalidade portuguesa, licenciado em História, mestre em estratégia de comunicação, casado, dois filhos, desempregado há oito anos, mas, actualmente, no precatoriato, isto é, a categoria económica e social de cidadania dispensável, geralmente enunciada pelas estatísticas, na rubrica, cidadão eleitor não produtor. 
Claro que a minha personagem podia chamar-se João, Francisco ou Abel; Ana, Maria ou Deolinda. Até podia dar-lhe um numero e designá-lo, por exemplo, o 22, construindo, assim, a «estória» do cidadão precário, desempregado, abandonado pela mulher, por sua vez desempregada, dois filhos, igualmente desempregados, numa espiral de perda, que vos assustaria dramaticamente, mas, não, chamo-o de António, por ser, desde ontem, na cidade de Lisboa, o nome afamado, depois de Pádua, também ela, uma cidade santa e milagreira, mas não gerada, como Lisboa, da costela homérica. 
António, dizia, cidadão eleitor mas não produtor, ousou conversar comigo sobre o modo como vive na cidade de Lisboa, no ano da graça de dois mil e quatorze, apenas com a dignidade que a memória lhe confere, desejando, não o emprego, para o qual já não dispõe de competências psicológicas e emocionais, mas, apenas, a possibilidade de se ver livre da radicalidade do tormento, angústia e sofrimento, que envolve a sua existência. 
É sobre essa conversa longa que vos falarei nos próximos dias, meses ou anos, e sempre que o título anunciar António (história de um precário)

Ana Paula Lemos 

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