Tentei
ir ao Bangla três vezes...Como não há duas sem três e à quarta é de vez, aqui
fica a minha crónica.
A primeira
vez, ia sozinha, descobrindo Lisboa a um sábado pela manhã, quando dou de caras
com o Bangla. Quis entrar. Mas, o Bangla, como seria expectável, estava cheio
de imigrantes bengali tomando calma e serenamente o pequeno almoço, enchendo,
assim, as mesas e o balcão.
Aliás, foi
o movimento, eram ainda dez da manhã, que me chamou a atenção. Apesar de ser um
restaurante, e isso podia ler-se na fachada, a mim pareceu-me uma cozinha
comunitária, não tanto pelo aspecto, que mal podia perceber, mas pelo
movimento, íntimo, que os clientes pareciam ter com o espaço e, uns, com os
outros. Como procurava uma Lisboa desconhecida, mas contemporânea, registei o
Bangla na memória. E por cá ficou.
Numa das
voltas,
agora guiando um grupo, a caminho do Intendente, chamei a atenção do Bangla,
passávamos nós, então, pela Rua do Bem Formoso. Uns quantos aventureiros, entraram de imediato no
restaurante, compraram chamuças,
acharam boas e, de novo, o cheiro do Bangla ficou-me na memória. Era, portanto,
a segunda vez que passava pelo restaurante e não entrava.
A terceira
vez, que tentei ir ao Bangla, estava acompanhada por uma amiga, andavamos de
novo às voltas por Lisboa, a caminho do Castelo. Mas, não, não
entrámos. Era a terceira vez…
Mal tive
outra oportunidade, voltei ao Bangla. Desta vez, fiz-me acompanhar de uma
portuguesa indianista, um rapaz bengali, e um amigo de ambos. Jantámos nas
mesas estreitas do Bangla inundados pelo cheiro da minha memória.
Foi,
seguramente, uma das mais ricas experiências que tive em Lisboa. Não tanto pela
excepcional qualidade da comida, embora, o Bangla seja um bom restaurante; mas,
sobretudo, pela possibilidade que oferece de conhecermos melhor a comunidade
bengali imigrante em Lisboa feita de homens sós, que entre si, ao fim de um dia
de trabalho, partilham a saudade, palavra que não conhecem, da família que
deixaram.
Não
falam muito. O olhar, escuro e penetrante, é o vaso que comunica os afectos.
Todos os dias, um deles empresta a outro, o telemóvel. O ritual de substituição
do cartão que dará acesso ao tempo húmido do Bangladesh, comovente, assemelha-se
à recitação do terço sagrado. Do outro lado, a família escuta sem tempo, o dia-
a- dia, igual a todos os outros, que terão ouvido pela enésima vez.
O Bangla
é um laboratório vivo de uma outra Lisboa, que vale a pena conhecer.
Ana Paula Lemos
Sem comentários:
Enviar um comentário